Mechanisms of Denial

Video diptych and collage of images printed on tracing paper, 2018

 

 

Numa altura em que o conhecimento se gera em quantias cada vez maiores e de forma cada vez mais complexa e individual, não só se torna evidente a impossibilidade do conhecimento absoluto, como também a progressiva dificuldade que temos em compreendermo-nos a nós e ao mundo. Com a complexificação dos nossos sistemas políticos, informativos e sociais e a nossa aparente falta de vontade de conhecermos realmente o que usamos, consumimos ou subscrevemos, o paradoxo informativo ameaça dividir-se ainda mais. Com a proliferação de mecanismos de criação de meta-data invisível ao utilizador comum, e com a tendência natural para nos abstrairmos de realidades difíceis em favor de conceções simplistas, o distancia entre o homem informado e o não informado tenderá a crescer. O sentimento de ignorância será cada vez maior, assim como as reações a este. E com ele, o desejo de abstração será cada vez maior também, amplificando a vontade de nos restringirmos a uma bolha pessoal feita de verdades individuais, ou a vontade de nos retrairmos para um universo alienado do micro-quotidiano.
Mas tudo isto são mecanismos humanos de negação.
Mecanismos estudados no mundo financeiro, militar e político, para serem aproveitados. Mecanismos de negação que devemos estudar também, para que as possamos reconhecer em nós e nos outros.

 


A impossibilidade de ver um cisne preto dura apenas até um ser visto.

 


Depois parece óbvio.

 

O problema do cisne preto

Antes de serem finalmente avistados no séc. XVII com a descoberta da Austrália1, a expressão “ver um cisne preto” era vulgarmente utilizada para descrever algo impossível. Sublinhada pelo senso comum de nunca terem sido vistos ou relatados, esta suposição empiricamente correta tornou-se uma verdade absoluta durante séculos. A expressão remota pelo menos ao império romano2, tendo nos séculos seguintes proliferado pela europa, tornando-se num dito particularmente comum no séc. XVI em Inglaterra. Não se sabe exatamente o porquê da expressão especificar a cor preta, uma vez que, face à aparente singular existência de cisnes brancos, qualquer outra cor seria igualmente impossível de avistar. Mas o certo é que a existência de cisnes pretos era algo considerado indubitavelmente impossível, e portanto a metáfora perfeita para descrever outras coisas que seriam impossíveis também.
Com o choque da sua descoberta, esta falsa-metáfora muda de significado e passa a descrever coisas aparentemente impossíveis, que uma vez descobertas obrigam à restruturação do pensamento. Na filosofia3passa a ser uma analogia sobre a fragilidade inerente a qualquer sistema lógico, bem como sobre a epistémica tendenciosidade do pensamento humano.
Hoje, no mundo económico4, a expressão é utilizada também para melhor perceber e descrever a inevitabilidade de acontecimentos raros, de grande magnitude e extremo impacto, perante os quais somos impotentes. Eventos surpresa que desempenham um papel dominante na história e que são absolutamente imprevisíveis até à data em que ocorrem, embora em retrospetiva aparentem uma certa previsibilidade. Esta nova significação de um Cisne Preto sublinha a importância do não-conhecimento e apela ao investimento cognitivo sobre as coisas que não conhecemos, contrariando o nosso sentido natural de relativização do desconhecido, assim como a crença de que podemos alguma vez medir o imprevisível através do normal.

  1. Willem de Vlamingh, explorador dinamarquês foi o 1º europeu a ver cisnes pretos em 1697, com a descoberta da Austrália.
  2. O poeta romano Juvenal usa esta expressão para descrever a impossibilidade de encontrar uma mulher perfeita. “rara avis in terris nigroque simillima cygno” (uma ave rara na terra e muito semelhante a um cisne preto).
  3. O Problema da Indução é uma questão filosófica que problematiza o conhecimento empírico, o raciocínio indutivo e o método científico. O problema da indução é várias vezes explicado com o uso de metáforas como a do “Cisne Preto” para explicar o dilema da generalização, ou com a metáfora da “Galinha e o Dono” (que descreve a crença da galinha na benevolência do dono, porque este sempre lhe deu de comer, e portanto sempre dará) para explicar o dilema da previsão dedutível de que uma sequencia de eventos acontecerá como aconteceu até então. Este tema foi amplamente desenvolvido no campo da filosofia por diversos autores, entre os quais se destacam David Hume, Karl Popper e John Stuart Mill.
  4. Nassim Nicholas Taleb, economista e investigador, popularizou o termo na sua obra de 2007, The Black Swan, na qual utiliza a expressão para descrever eventos raros e de extrema importância histórica. Taleb argumenta a favor da necessidade de tornar os mercados financeiros mais robustos contra estes eventos de difícil previsão e de grande impacto negativo, através de uma perspetiva mais incidente em circunstâncias extremas do que na expectativa normal.

 

 

 

Presentations:
January 2018, Open Studio Campanice, Porto.